domingo, 13 de outubro de 2013

O FATAL INSTINTO MISSIONÁRIO AMERICANO

Num dos mais notáveis livros de história que já li – «The Proud Tower», publicado em 1966 – Barbara Tuchman faz um retrato do mundo entre 1890 e 1914, ou seja, antes da Grande Guerra (1914-1918), começando por citar Edgar Allan Poe: «Enquanto da torre do orgulho na cidade/A morte gigantesca olha com desprezo». É uma tentativa de reconstituição da vida duma sociedade – «um mundo anglo-americano e da Europa Ocidental» - «que fermentava em si o germe de uma guerra inevitável». Fala-nos de uma época que «não morreu de velhice ou por acidente», mas «explodiu numa crise» e fez deflagrar uma guerra talvez só explicável, conforme escreveu Stefan Zweig, «por um excesso de força, uma trágica consequência do dinamismo interno que se foi acumulando ao longo de quarenta anos de paz e que procurou um escape violento», que «nada tinha a ver com ideias» nem «fronteiras».
Para salientar o espírito da época que já pairava nos EUA, Barbara Tuchman cita o senador Albert Beveridge, que considerava os americanos como «uma raça conquistadora»: «Devemos obedecer ao nosso sangue e ocupar novos mercados, se necessário novos países, porque, nos desígnios infinitos do Todo-Poderoso (...), as civilizações abastardadas e as raças decadentes» devem desaparecer «perante a civilização superior de tipos de homens mais nobres e mais viris». Nada que já não tivesse sido expresso pelo Presidente McKinley ao revelar, a propósito da anexação das Filipinas (1898), que «o Senhor» lhe dissera terem os americanos «o dever de instruir os filipinos, de os educar, de os civilizar, de os cristianizar e, com a graça de Deus, fazer por eles tudo o que estiver ao nosso alcance, do mesmo modo que por tantos outros nossos semelhantes pelos quais Cristo também morreu». Em suma: a versão mística da doutrina do «destino manifesto» formulada pelo Presidente Monroe e da política da canhoneira ou do «big stick» praticada pelo Presidente Theodore Roosevelt.
Outro livro de referência – «The Arrogance of Power», também publicado em 1966 – foi escrito pelo senador J. William Fulbright, então presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros do Senado dos EUA, em plena guerra do Vietname. Nele se denuncia «essa necessidade psicológica que certas nações parecem ter de provar que são maiores, melhores e mais fortes do que as outras», essa «tendência que têm as grandes nações para assimilar força e virtude, responsabilidades acrescidas e missão universal», adoptando «uma atitude condescendente» que roça «o desprezo pelas outras culturas» e procurando «impor a sua civilização no estrangeiro». Fulbright cita um texto de Aldous Huxley - «The Politics of Ecology» - que não podia ser mais oportuno, nem mais actual: «Pode-se discutir sobre o melhor método para cultivar trigo em clima frio ou para reflorestar uma montanha sem vegetação. Mas tais discussões nunca levam a um massacre organizado. O massacre organizado resulta de contestações sobre questões como estas: Qual é a melhor nação? E a melhor religião? E a melhor teoria política? E a melhor forma de governo? Porque é que os outros povos são tão estúpidos e tão maus? Como é que eles não vêem que nós somos bons e inteligentes? E porque é que resistem aos nossos esforços benfazejos para os colocar sob nossa autoridade e para os tornar iguais a nós?». O fatal instinto missionário em plena torre do orgulho...
Termino a citar o Shlomo Ben Ami, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Israel, referindo-se à «infernal engrenagem» dos conflitos no Médio Oriente: «É como uma tragédia grega: toda a gente conhece o desenlace, mas ninguém tem coragem para travar esta loucura. A responsabilidade dos dirigentes é muito pesada».

2013.08.30   

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