quarta-feira, 13 de novembro de 2013

CAVACO «ESTÁ A FECHAR OS OLHOS Á REALIDADE» DA DÍVIDA

«Portugal tem tanta austeridade que a dívida se tornou insustentável. Algo tem de ser feito. Não acho que consiga desenvencilhar-se deste problema hoje sem uma reestruturação da dívida» - afirmou Paul de Grauwe, economista belga e professor na London School of  Economics, em entrevista à Lusa, na qual também salienta que foi criado o «mito» da necessidade das «reformas estruturais» para justificar a continuação das políticas de austeridade.
De Grauwe considera, aliás, que o Presidente da República, Cavaco Silva, está a «fechar os olhos à realidade» quando afirma que é «masoquismo» alguém dizer que a dívida portuguesa não é sustentável. «Claro que se deve falar do assunto! Estão a transferir receitas para os estrangeiros, que sentido faz isso?» - questionou o economista, que considera ser «quase masoquismo» os portugueses «punirem-se a si próprios» com mais e mais austeridade. Na sua opinião, «é difícil entender como pode o Governo magoar a população e sentir-se orgulhoso disso».

«Um novo programa de austeridade vai empurrar Portugal para a insolvência»

Em Lisboa, onde participou na conferência que assinala os 25 anos do INDEG (a escola de negócios do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa), Paul de Grauwe lembrou que, ainda há poucos anos, Portugal era um país solvente. No entanto, as políticas de austeridade levaram à recessão económica e aumentaram de tal forma o endividamento que agora corre o risco de não conseguir pagar a sua dívida.
«Um novo programa de austeridade vai empurrar Portugal para a insolvência», previne o economista, considerando-a «inevitável» quando o país «é submetido a uma austeridade tão intensa que se torna contraprodutiva» para a economia. «Dizem aos portugueses que eles têm de fazer mais sacrifícios. Para quê? Para pagar a dívida aos países ricos do Norte [da Europa]. Isso será explosivo e os portugueses não vão aceitar isso indefinidamente», acha ele. Paul de Grauwe defende que, numa eventual reestruturação da dívida, sejam envolvidos não só os credores privados, mas também institucionais, como o Banco Central Europeu (BCE).  
A dívida pública de Portugal chegou aos 131,4% do Produto Interno Bruto (PIB) no final de Junho, segundo o Banco de Portugal. O Governo previa que, este ano, a dívida das administrações públicas atingisse 122,3% do PIB, mas entretanto reviu em alta esse  valor para 127,8%. Em Junho de 2011, pouco depois de Portugal ter recorrido à ajuda externa, a dívida era de 106,9% do PIB, ainda assim bem acima dos 71,7% do final de 2008.

Problema está do lado da procura

«A necessidade de reformas estruturais em Portugal é um mito», afirma Paul de Grauwe. Essa pretensa solução ignora que é a falta de procura que provoca a recessão da economia: «Foi criado esse novo mito de se ter de fazer reformas estruturais. O problema, hoje, não está do lado da oferta da economia e as reformas estruturais é com isso que lidam. Claro que há que ser mais eficiente, mas o problema é que atiraram abaixo com a procura e em resultado disso a economia não cresce. Há que alterar isso».
Para De Grauwe, o que se passa é que os líderes que definem as políticas económicas «foram educados nos anos 70, em que o problema era do lado da oferta da economia», e não perceberam que a crise económica que a Europa atravessa é de uma dimensão diferente. «Vocês [em Portugal] fizeram reformas estruturais, flexibilizaram, reformaram o mercado trabalho e não resultou. Porque o problema está do lado da procura», explicou.
Paul de Grauwe considera que Portugal cometeu o «erro» de querer ser o melhor aluno da troika, quando a sua economia estaria bem melhor se assim não fosse: «O governo português cometeu o grande erro de tentar ser o melhor da turma no concurso de beleza da austeridade. Não havia razão para Portugal tomar essa atitude. Podia não ser o melhor da turma, podia até ser o pior, e mesmo assim seria melhor para economia».

Países do sul da Europa deviam unir-se

Portugal teria sempre de levar a cabo medidas para reduzir a despesa, mas ao longo de mais anos, de modo a suavizar o impacto na economia. Até vários economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) já perceberam que não é possível «aplicar a austeridade toda de uma vez». Mas os líderes da UE continuam imutáveis.
«Portugal e outros países do Sul da Europa deviam unir-se e dizer que a maneira como os tratam não é aceitável. Quando Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha levam a cabo medidas de austeridade, os outros países do Norte da Europa deviam fazer o inverso e estimular a economia. Vocês têm influência na Comissão Europeia, mas não a usam», afirma Paul de Grauwe. Para o economista, se os países com contas públicas mais fortes fomentassem a expansão, isso contrariaria a contracção orçamental dos países da periferia, equilibrando a economia europeia.
«A Zona Euro tornou-se um sistema em que a nações credoras é que mandam. Mas a responsabilidade da crise não é só dos devedores, é também dos credores. Por isso, a Comissão Europeia devia intervir no interesse dos credores, evidentemente, mas também dos devedores», considera o economista belga.

Limite ao défice na Constituição "sem sentido"

Sobre se deve ser colocado um limite ao défice e ao endividamento na Constituição portuguesa, Paul de Grauwe rejeitou liminarmente essa solução, considerando que ela «não faz qualquer sentido», já que haverá sempre períodos em que os países têm de aumentar o seu endividamento para acomodar as crises cíclicas e proteger os cidadãos.
«O capitalismo é um sistema fantástico, mas muito instável, que produz altos e baixos, períodos de optimismo e pessimismo, e nos períodos baixos o Governo tem de juntar as peças e os défices necessariamente aumentam. Precisamos de Governos que protejam os cidadãos, que os ajudem [quando estão mal]. Se não o fizerem, a legitimidade dos Governos fica em causa», rematou Paul De Grauwe.

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